“Vai ser de
arrepiar, de chorar”. É com essas palavras que Ronaldo descreve
a sensação de dar adeus à Seleção. Três vezes eleito o melhor
jogador do mundo (1996, 1997 e 2002), o Fenômeno se despede da
Seleção Brasileira na próxima terça-feira, no amistoso contra a
Romênia, em São Paulo. Em entrevista exclusiva ao jornalista
Paulo Cesar Vasconcellos, o atacante se prepara para despertar
de um sonho que vive há 18 anos.
- A minha história com a Seleção foi um sonho maravilhoso que eu
vivi. Foi o momento mais feliz e a camisa mais importante que eu
vesti na minha trajetória. A Seleção me deu uma popularidade, me
deu um status, me deu orgulho. A minha carreira lá dentro foi
brilhante - disse ao "SporTV Repórter".
Maior artilheiro em Copas, com 15 gols, o atacante deve jogar
durante 15 minutos e prevê a emoção que deve sentir ao ouvir o
Pacaembu lotado gritando o seu nome.
- Vai ser muito emocionante, vai ser de arrepiar, de chorar, de
tudo. Mas estarei sempre próximo, junto. A Seleção Brasileira
representa tanto para mim, me identifico tanto que não tem como
me separar definitivamente.
Há quatro meses sem jogar, o Fenômeno garantiu que está
treinando para não fazer feio com a camisa amarelinha e fechar a
parceria de sucesso marcando um gol. Brincalhão, Ronaldo sabe a
importância do jogo, apesar de ser um amistoso, e brinca:
- Imagina o Neymar me mandando correr.
Infância humilde em São Cristóvão
Apaixonado por futebol desde cedo, Ronaldo começou a carreira no
futebol de salão, no Clube Valqueire, no bairro de mesmo nome,
na Zona Norte do Rio de Janeiro. Depois de fazer sucesso nas
quadras, o Fenômeno resolveu se transferir para o futebol de
campo.
- A passagem pelo futebol de salão foi incrível e determinante,
importantíssima na minha vida. Eu acho que todo atleta deveria
começar lá. Você aproveita todos os fundamentos básicos do
futebol de salão, absolutamente todos, no campo.
Flamenguista, ele tentou ir para o clube do coração. Mas o custo
para chegar até à Gávea – eram quatro passagens diárias - e as
inúmeras peneiras do Rubro-Negro fizeram com que o atacante
fosse para o São Cristóvão. Mais próximo de sua casa. Mas, foi
anos depois, no Cruzeiro, que ele percebeu que a carreira
poderia dar certo.
- Com 15 anos você ainda sonha muito, sonha em chegar muito mais
longe. Mas foi no Cruzeiro que eu percebi que ia vingar. Eu
comecei a receber uma estrutura muito melhor do que eu tinha,
então comecei a evoluir, a me desenvolver melhor.
Passagem pela Europa
Pensando em fazer sucesso pela Europa e seguir a trilha do ídolo
Romário, Ronaldo foi contratado pelo PSV, da Holanda. Acostumado
com o clima brasileiro, a adaptação do jovem de apenas 17 anos
foi difícil, mas o aprendizado compensou as dificuldades que
passou.
- Naquela época o que me motivou para passar por aquele desafio
foi o Romário ter passado pelo PSV. Na época ele estava no
Barcelona. Aquilo me incentivou a seguir o mesmo caminho dele.
Quem sabe depois eu não vou para outro clube também, pensei.
E deu certo. Nos anos seguintes, o atacante passou pelo
Barcelona, Inter de Milão, Real Madrid e Milan. Brlhou nas
equipes que passou, mas garante que nunca deixou o sucesso subir
à cabeça.
- Eu sempre fui muito crítico comigo. Eu sempre via meus jogos
no dia seguinte para me criticar, para ver o que eu fazia de
certo e o que podia melhorar. Essa vaidade de pensar 'já
consegui tudo, já cheguei ao máximo', eu nunca pensei isso.
Sempre fui dando passo a passo querendo melhorar, sempre fui o
maior crítico comigo mesmo.
A volta para o Brasil
Depois do Milan, Ronaldo voltou ao Brasil e passou a treinar no
Flamengo, seu clube do coração. Mas foi o Corinthians que
acertou com o atacante. Na passagem pelo Timão, o Fenômeno
conquistou o Paulista e a Copa do Brasil, ambos em 2009, ano de
seu retorno.
Não poderia ter morrido sem conhecer um bando de loucos, que
realmente é um bando fantástico. (...) Essa parceria com o
Corinthians foi maravilhosa. "
Ronaldo
- Foi maravilhoso, foi fantástico. Eu juro que não poderia ter
morrido sem (voltar a) jogar no Brasil. Não poderia ter morrido
sem conhecer um bando de loucos, que realmente é um bando
fantástico, que apoia, que cobra, que xinga, que chora, mas que
é um torcedor fiel realmente. Essa parceria com o Corinthians
foi maravilhosa. Eu só tenho que agradecer por essa
oportunidade.
Após a eliminação do Timão da Libertadores-2011 e com problemas
físicos, Ronaldo anunciou a aposentadoria, em fevereiro.
- Eu não conseguia falar direito. Eu fui no meio do campo
anunciar para os jogadores, antes de anunciar para a imprensa,
que não dava mais. Eu não conseguia falar, eu só falei: ‘Estou
aposentando, obrigado a vocês que me ajudaram esse tempo todo,
que correram por mim’ – brincou.
As contusões
O ídolo lutou muito para superar lesões durante sua carreira. Em
2000, pelo Internazionale, Ronaldo sofreu uma grave lesão no
joelho e rompeu o tendão. Depois da cirurgia, foram cinco meses
de recuperação. No jogo de volta aos gramados, contra o Lazio,
na final da Copa da Itália, o atacante se lesionou novamente.
Após sete minutos em campo, ele rompeu o tendão do joelho
direito completamente. Ronaldo teria que operar novamente e a
previsão seria de muitos meses de tratamento. Apesar da
descrença de muitos, ele nunca colocou em dúvida a possibilidade
de voltar a jogar.
- Eu sempre fui tão otimista e me dava medo pensar o contrário.
Não por questões financeiras, porque eu já tinha ganho muito
dinheiro e podia viver tranquilo com o que tinha. Mas era amor
mesmo, é paixão por futebol e respirar aquilo, gostar daquilo.
Ouvi muitos diagnósticos desesperadores. De ir para casa e
chorar, chorar e chorar. Eu chorei muito.
Foram 19 meses de recuperação até a volta aos gramados. Que
seria coroada com o título da Copa do Mundo de 2002, quando foi
determinante, fazendo gois gols na decisão contra Alemanha e
acabando como artilheiro do torneio, com oito tentos.
A Seleção Brasileira
A trajetória de Ronaldo com a camisa amarelinha começou em 1993.
Convocado para a Copa de 1994, aos 17 anos, o atacante não saiu
do banco de reservas durante o Mundial e relembra com carinho o
contato com os ídolos.
- Em 94 eu servia cafezinho para o Romário, pegava a chuteira
dele. Os caras zoavam o novato, o calouro. Mas eu fazia com
maior prazer, eu estava tendo uma aula com os melhores
professores do mundo e eu aprendi muito com aquelas feras.
Depois de uma ótima temporada no Barcelona, Ronaldo foi para a
Copa de 98 como a estrela do time brasileiro. Ele marcou cinco
gols com a camisa 9, mas, horas antes da final contra a França,
sofreu uma convulsão. Apesar do mal súbito, ele tentou de tudo
para participar do jogo decisivo.
- Depois de tudo que aconteceu no hotel, eu saí correndo falando
com o médico: ‘Vamos ver se tem alguma coisa, se não tiver eu
vou para o jogo’. Os exames foram todos perfeitos. Era como se
não tivesse acontecido nada comigo naquele hotel. Cheguei no
vestiário e não deu tempo de falar com ninguém, cheguei
colocando a roupa e as pessoas ficaram me olhando. Eu falei:
'Está tudo bem, vamos para o jogo. Temos que ganhar isso.'
O resultado final, porém, não foi o esperado. A França venceu o
Brasil por 3 a 0, e foi campeã pela primeira vez.
- A verdade é que independentemente do que aconteceu comigo, a
França jogou como nunca, atropelou a gente em todos os sentidos,
em todos os momentos do jogo.
Em 2002, depois de meses parado se recuperando de lesões no
joelho, Ronaldo foi convocado por Felipão. O Fenômeno marcou
oito gols – sendo dois na final contra a Alemanha – e foi o nome
do Brasil na conquista do pentacampeonato. Apesar da brilhante
atuação no Mundial, o corte de cabelo no estilo ‘Cascão’ também
chamou a atenção em Ronaldo.
- O cabelo me ajudou muito na semifinal (contra a Turquia). Eu
estava com uma dor muito grande na coxa na véspera da semifinal.
Todo mundo só falava da contusão, que eu não ia jogar. Eu virei
dúvida naquele momento. No último treino eu fiz o cabelo e ai
todo mundo só falava do cabelo. Esqueceram da minha lesão. Eu
fui para o jogo, joguei mal para caramba, mas fiz o gol da
classificação de bico, estilo Romário.
Após a conquista na Copa do Japão e da Coreia do Sul, o Brasil
tentou o hexacampeonato no Mundial de 2010, na Alemanha, mas foi
eliminado precocemente pela França. Ronaldo disputou lá sua
última Copa e a derrota por 1 a 0 para a França foi sua última
partida pela Seleção. Mas a última página de sua história com a
amarelinha será contra a Romênia, na próxima terça-feira, em São
Paulo. |