Prólogo
No Reino do Prata, um homem íntimo de Deus conquista o mundo com a bola nos
pés. Ano 1986 DC. Os amantes do futebol se rendem à magia de um homem de
estatura atarracada chamado Diego Armando Maradona. O México é cenário de
algumas das mais belas exibições de um futebolista na História. O Midas de
Lanús transforma toda a prata em ouro. Só que o destino leva Maradona a
outras paragens e o ouro se transforma em pó. Uma forte ventania embaralha o
caminho de Don Diego, que se perde em drogas, confusões e polêmicas, e acaba
flertando com a morte.
Ano 1990 DC. Itália. Uma geração fracassada acaba sendo conhecida pelo nome
de um dos seus integrantes. A Era Dunga sucumbe aos pés de Maradona e a
seleção volta para casa de forma prematura. Da Itália para os EUA. Quatro
anos. Foi o que durou a agonia do volante. Dunga deu a volta por cima. Ao
contrário do Pibe, com muito mais suor que inspiração. Levantou a taça e deu
uma banana para o mundo. Para completar, viu Maradona ser varrido da epopeia
do futebol, flagrado no antidoping.
Capítulo I
O destino une Maradona e Dunga. Em anos diferentes, eles assumem dois dos
cargos mais cobiçados do mundo do futebol. O brasileiro, iniciante na
carreira; o outro, com pouquíssima experiência à frente do banco de reservas.
Logo após o fiasco e as confusões da seleção em 2006, na Alemanha, Dunga
recebe a missão de resgatar o prestígio do futebol brasileiro. Em crise
técnica, a Argentina opta pela saída mais fácil: queda de Alfio Basile. Don
Diego toma o comando da albiceleste dois anos depois de Dunga, prometendo a
reedição da magia en la cancha.
Ambos baseiam a sua filosofia no conceito de família, de grupo unido,
blá-blá-blá. E já parecem talhados a morrer abraçados com as suas escolhas.
Por mais excêntricas que possam parecer. Um imprime a política do "con
nosotros", o outro a do "com nós".
Mas Don Diego faz questão de mostrar uma diferença fundamental:
- Se meu time vai jogar como o do Dunga? Não, não jogo como Dunga. Ele dava
pancadas e eu fugia delas.
Capítulo II
Surgem os primeiros jogos e as primeiras competições. Em terras tupiniquins,
Dunga começa as suas "experiências" futebolísticas. Personagens sombrios
como Afonso Alves, Daniel Carvalho e Hulk tiram o sono dos torcedores. Dunga
parece refém de um esquema só. Tem pesadelos com retranca. O bicho-papão que
ameaça derrotá-lo dentro do próprio castelo. Pela primeira vez na História,
Dunga faz o Brasil perder para a Venezuela. Contra a fraquíssima Bolívia, no
Engenhão, a seleção pentacampeã joga a maior parte do tempo com um homem a
mais em campo e não sai do 0 a 0. Sonoras vaias e o tradicional coro de "burro,
burro, burro". A corda se aperta cada vez mais no pescoço do treinador. A
cada fracasso, Dunga dirige sua ira à torcida ainda dentro de campo.
Palavras duras e gestos graves.
- Essa seleção é minha - desabafou quando se sentiu mais pressionado.
Mal das pernas nas Eliminatórias, a Argentina se apega ao carisma de
Maradona. Como o treinador brasileiro, Don Diego experimenta dezenas de
jogadores e não monta um time-base consistente. Os contestados Jonás
Gutiérrez e Nicolas Otamendi parecem ter títulos de convocados vitalícios.
Atrito com a imprensa. O técnico passa vergonha na altitude e é humilhado
pela Bolívia: 6 a 1 - a maior derrota da História da Argentina. Mais atrito
com a imprensa. Sufocado, Maradona se encastela em Buenos Aires.
" Àqueles que não acreditaram, com o perdão das mulheres, que chupem! E que
continuem chupando! "
El Pibe sobrevive no cargo até o fim das Eliminatórias, apesar de pesquisas
mostrarem que mais de 80% dos argentinos o querem fora. Após carimbar o
passaporte à África do Sul em Montevideú, contra o Uruguai, o mundo vê o seu
maior acesso de fúria. Maradona abraça os jogadores em campo e dirige
palavrões a quem interessar da imprensa possa. De cabeça "fria", na coletiva,
a explosão definitiva:
- Àqueles que não acreditaram, com o perdão das mulheres, que chupem! E que
continuem chupando! Estou agradecido ao povo, aos jogadores e a ninguém mais.
Aos demais, que chupem! Isso é para os que não acreditaram na seleção e que
me trataram como um lixo.
(Assista ao 'desabafo' de Maradona)
A disparate de Maradona faz a Fifa puni-lo mais uma vez. Ele dá de ombros.
Como sempre fez. Mas retorna mais light.
Capítulo III
Dunga consegue calar as críticas mais duras ainda nas Eliminatórias. Vence
fora Uruguai, Chile e a Argentina de Maradona. Conquista a Copa das
Confederações, na África do Sul. E pensa ser imbatível. Mas o Brasil segue
monocromático, sem criatividade, vencendo partidas mais pelas falhas do
adversários e com generosas pitadas de sorte do que por méritos
futebolísticos. O símbolo da seleção passa a ser o limitado, desequilibrado,
truculento e temperamental Felipe Melo. Começa a se desenhar uma teoria: o
volante vai arrumar uma expulsão na Copa e deixar o Brasil na pior.
Presságio? Exércício do futurismo das quatro linhas? Ou do lógico "eu já
sabia"?
A classificação para a Copa alivia um pouco a pressão sobre o técnico
argentino. Maradona continua suas experiências, mas alguns nomes contestados
aparecem em quase todas as convocações. Ele se mantém fiel, como o "colega"
brasileiro, a uma patota que o segue sem pestanejar. Messi segue uma
incógnita: jogador de time ou astro a explodir na seleção?
Capítulo IV
Os estilos dunguista e maradonista se separam. O treinador brasileiro ergue
quartel em Johannesburgo. Blinda a seleção, elege a imprensa como sua grande
inimiga. Em uma coletiva, solta palavrões a um jornalista. Mesmo quando
ganha, o técnico exibe mau humor, rancor e nervosismo. Qualquer pergunta é
recebida por Dunga como uma declaração de guerra. E ele já tem a resposta
antes. O estilo contamina os jogadores. Em entrevista, Kaká manda recado a
um desafeto na imprensa, e em campo não consegue controlar os nervos: cai na
pilha marfinense e é expulso.
E, como um Maradona possuído, Dunga resolve até xingar à beira do campo, em
"mau" português, o marfinense Didier Drogba e o juiz francês Stephane
Lannois. Corre risco de punição. Mas dá de ombros. E decide adotar um estilo
mais light. Paz e amor?
Na Argentina não há trincheiras. Maradona permite até sexo aos jogadores.
Suas coletivas são recheadas de pérolas, algumas delas à beira da
fanfarronice. Don Diego parece leve, parece ter deixado para trás tangos e
desavenças. Em campo a Argentina corresponde, passando facilmente pelos
adversários. Messi, enfim, fica mais parecido com o mestre.
Capítulo V
O fim da linha para Dunga e Maradona ocorre na mesma fase. Separadas por 24
horas, as despedidas mostram uma diferença básica entre as duas "famílias".
Ao cair diante da Holanda, Dunga balança a cabeça, recebe um abraço do seu
Sancho Jorginho e vai para o vestiário. Seus guerreiros passam vergonha
sozinhos em campo. Maradona, por sua vez, mais afeito a um caráter épico,
resolve ficar no barco à deriva, cumprimentando cada um dos seus jogadores.
Mesmo nocauteado em pé por um "soco de Ali", como ele mesmo disse. Ego
arrematado por alemães sedentos.
Chegam as coletivas. Dunga se mostra mais comedido. Também não é apertado.
Provavelmente tenha deixado a entrevista achando que exagerara com os
jornalistas o tempo todo. Os argentinos são mais duros e Don Diego retoma o
clima pesado dos embates do tempo das Eliminatórias. Perguntado se alguém na
Argentina poderia estar feliz com a eliminação, retruca:
- Você está gozando da minha cara? Não me fo#@, irmão!
Tirando a grosseria do Pibe, ambos seguem a mesma linha, com o mesmo
discurso que mescla o paternalismo e o corporativismo, dizendo-se orgulhosos
dos seus guerreiros. Dunga celebra o "feito" de fazer o "resgate da seleção".
Maradona comemora o "mérito" de devolver o futebol argentino "às suas raízes".
(O adiós do engravatado Don Diego Maradona)
Epílogo
Dunga e Maradona foram inventados com diferença de dois anos e sucumbiram,
em cidades diferentes, quase no mesmo dia. Como tudo levava a crer, morreram
abraçados às suas frágeis crenças. Ao que indicam as suas declarações de
pós-guerra, eles não deverão seguir no comando das suas seleções. Mas
novamente combinaram o discurso e deixaram no ar que caminho deverão
percorrer quando a costa da África sumir na janelinha do avião. Mas quem
acredita que as Eras Maradona e Dunga já eram convém um pouco de prudência:
a próxima edição da Copa América ocorre no ano que vem. Na Argentina. Chance
ideal para os treinadores quixotescos ressuscitarem os seus moinhos e
experimentar a glória fugaz que o futebol sempre permite de vez em quando,
em um casamento de idas e vindas. Até que o mata-mata os separe. |