Mano Menezes não abandona o Corinthians mesmo nos momentos de lazer. Em seu
Twitter (com quase 900 mil seguidores), por exemplo, ele faz questão de
deixar um recado à torcida durante a folga de sexta-feira à noite: "Agora,
estou em casa jantando e tomando um vinho com a família". A mulher pouco sai
com o treinador corintiano, avesso aos cinemas e aos teatros. A dedicação
dele é integralmente voltada ao trabalho.
Na manhã de 2 de setembro, dia do aniversário de 99 anos do clube, Mano
Menezes mais uma vez abdicou da vida social. Ficou escondido nas
dependências do Parque São Jorge enquanto o presidente Andrés Sanchez
discursava para uma centena de torcedores. "Está bastante agitado lá fora,
não?", comentou o técnico, com um sorriso no rosto. Depois, voltou a se
concentrar na leitura de uma compilação de notícias sobre o Corinthians.
Na conversa descontraída, Mano Menezes creditou sua longevidade no
Corinthians justamente aos sacrifícios que faz em prol da equipe. É com essa
atitude que ele pretende conduzir o clube à conquista da Copa Libertadores
da América em 2010, ano do centenário corintiano, e mais tarde ganhar a
oportunidade de dirigir a Seleção Brasileira ou um grande clube europeu.
Mano Menezes falou também sobre o seu relacionamento com dirigentes,
empresários, jogadores e torcedores (dos organizados ao presidente Luiz
Inácio Lula da Silva). Tudo antes de olhar para o relógio de pulso
exatamente às 11h30, levantar-se da cadeira onde estava sentado e
despedir-se com um aperto de mão. "Preciso ir. O treinador não pode atrasar
o ônibus do time", sorriu o regrado comandante do Corinthians, em direção ao
veículo que leva a inscrição "Rumo à Libertadores" nas laterais.
Como é para um gaúcho morar em São Paulo?
Nós gaúchos costumamos comparar São Paulo com Porto Alegre. Mas Porto Alegre
é uma cidade muito mais calma, com os lugares próximos. Felizmente, o
futebol exige que a gente adquira uma capacidade de adaptação rápida. Por
outro lado, a correria não nos permite ter vida social. Trabalhamos muito,
concentramos muito e jogamos muito.
O que você gosta de fazer nas horas vagas?
Sou bastante caseiro. Só vou a um restaurante com a minha esposa de vez em
quando e não tenho o hábito de frequentar shoppings, cinemas, teatros, essas
coisas. São Paulo é uma cidade mais tumultuada.
O Corinthians também é mais tumultuado do que os outros clubes?
O futebol é muito parecido em todos os clubes. A gente pode ter um grande
apelo popular e uma torcida muito mais inflamada, como é a Fiel, mas a
exigência e a pressão pelos resultados são semelhantes aos outros lugares.
Para amenizá-las, é preciso que cada integrante do clube faça bem a sua
parte. Foi assim que entendemos o Corinthians quando cheguei aqui, sempre
buscando os resultados porque isso dá tranquilidade para o torcedor e uma
confiança maior ao seu trabalho. A torcida sente que pode torcer
despreocupada, pois os profissionais estão atuando bem.
Sua longevidade no cargo é fruto apenas dos resultados ou também de sua
maneira de agir?
É fruto de uma soma de fatores. A direção implantou uma nova filosofia de
trabalho no Corinthians, pois entendeu que as coisas não podiam continuar da
maneira que estavam. Essa troca constante de treinadores nunca produz bons
resultados. É só olhar para o lado. Quem está encontrando dificuldades no
Campeonato Brasileiro atualmente são as equipes que acham que resolvem todos
os seus problemas trocando técnicos, sem fazer um planejamento decente e sem
fornecer condições para o profissional fazer um bom trabalho. Houve essa
evolução no Corinthians. O resultado é a parte final de tudo isso. Se ele
não acontecer, você não tem longevidade em clube nenhum.
É preciso ser muito político para se manter como técnico de futebol hoje em
dia?
Com certeza. Mais do que nunca hoje em dia. Mas é importante ressaltar que
ser político não significa ter relações que não sejam extremamente corretas
e leais. A política é necessária em todos os segmentos da sociedade. Isso é
saber conviver, saber ceder em determinados momentos e saber fazer os outros
entenderem que devem ceder de vez em quando. Com os jogadores, também
funciona assim. Temos 11, 12, 13, 14 ou 15 atletas extremamente satisfeitos
no elenco, que são os mais utilizados como titulares. Alguns não estão tão
satisfeitos assim. E uma parte tem até certo grau de insatisfação, pois vem
sendo pouco aproveitada. Fazer com que todos estejam comprometidos, mesmo
nessas situações distintas, é o papel mais difícil de um técnico de futebol.
Como fazer para motivar quem está insatisfeito?
Mostrando que só há um caminho para mudar essa situação: continuar
trabalhando sério para ser respeitado, mesmo não estando titular naquele
momento. A reserva inevitavelmente vai acontecer para alguns jogadores. Essa
situação pode ser duradoura, transitória ou permanente. Depende do
comportamento do atleta.
Que jogador você já "resgatou" no elenco do Corinthians?
Não tenho enfrentado problemas de relacionamento, exatamente por ter essa
transparência e clareza no modo de tratar as pessoas. Quando vamos contratar
um jogador e tenho oportunidade de conversar com ele antes, deixo toda a
situação bastante clara. Digo como e por que ele está vindo para o
Corinthians. Com essas pequenas atitudes, tu mostras para o jogador o
respeito que tens na relação profissional.
Imagino que muitos jogadores gostariam de ter essa conversa agora, para
poder participar do ano do centenário do Corinthians. Você recebe muitas
ligações de atletas e empresários?
Recebo poucos telefonemas, até pelo tipo de relação que eu tenho com os
empresários. Isso acontece mais com as pessoas que estão próximas a mim,
integrantes da comissão técnica. É até natural que seja dessa forma, pois
geralmente tentam se aproximar do técnico por outros meios. Desse jeito, a
minha comissão faz uma triagem natural. Não posso me envolver em tantos
assuntos diariamente, já que preciso dar atenção integral à equipe. Quando
algum assunto referente a contratações merece chegar até mim, analiso tudo o
que foi falado, enviado e mostrado. É a minha obrigação. Para fazer uma boa
avaliação, você precisa no mínimo mandar olharem o jogador, assistir a um
DVD, ouvir conselho de quem está em outro Estado e buscar informações com
pessoas de confiança. Trabalho dessa maneira, sempre tentando fazer o melhor
pelo Corinthians, independentemente de quem indicou o jogador. As pessoas
falam muito dessas coisas todas mas não sabem como realmente funciona.
Qual é a sua opinião sobre o papel dos agentes no futebol?
É uma relação inevitável hoje em dia. Em um determinado momento, os clubes
se enfraqueceram muito como organizações. Esse enfraquecimento diminuiu o
poder de decisão, que passou para outras pessoas. Surgiram os agentes, que
souberam se organizar para dar certo. Eles trabalham sem um custo tão alto,
porque investem no jogador que querem sem a necessidade de formar uma equipe
competitiva. Para mudar alguma coisa para melhor, os clubes devem trabalhar
diariamente para retomar o poder de decisão.
Com essa relação, dificilmente um jogador consegue associar sua imagem à de
um clube. E para um técnico, isso é possível?
Dependendo das conquistas e do período de permanência no clube, o torcedor
se sente meio dono do treinador. Ele fala: "Ah, esse é o nosso técnico".
Depois de uma passagem como a minha pela Corinthians, cabe ao profissional
cuidar um pouco de como será a sequência disso. Procuro ter um respeito
muito grande pelos adversários e recebo o mesmo por parte deles. Mas, mesmo
assim, um técnico precisa tomar um pouquinho de cuidado ao mudar de clube.
Não se pode machucar o sentimento do torcedor.
Então você não faria como o Muricy Ramalho, que foi para o Palmeiras depois
de ser tricampeão brasileiro pelo São Paulo?
É mais ou menos isso... Mas o Muricy não saiu do São Paulo porque encerrou
um contrato e terminou um ciclo. Houve um rompimento daquele sentimento, e
por parte do clube. Se for assim, o treinador também já não se sente na
obrigação de cuidar de uma relação que a direção não teve tanta preocupação
de cuidar.
E a sua relação com a torcida do Corinthians? É muito assediado nas ruas?
Sou bastante, mas vejo isso com naturalidade. A gente precisa entender que
as pessoas praticamente nos conhecem. Como os treinadores são pessoas
públicas e estão quase todos os dias na televisão, os torcedores se sentem
íntimos. Todos me tratam com bastante respeito. Como deve ser.
Você já trabalhou no Grêmio, outro time com uma torcida bastante apaixonada,
que canta o tempo inteiro durante as partidas. Os torcedores do Corinthians
realmente são diferentes dos demais?
A maior contribuição da Fiel é que ela torna a maioria dos ambientes no
Brasil mais favoráveis do que contrários para nós. Esse fator local
influencia muito no resultado do jogo, principalmente no futebol brasileiro.
Quando você consegue amenizar essa discrepância de maioria de torcida, já
ajuda muito em uma partida. O nosso time raramente se sente em um ambiente
contrário. Isso quase nunca acontece em São Paulo, e na maioria dos jogos do
Campeonato Brasileiro há uma situação de igualdade nas arquibancadas. Sem
falar no amplo apoio que recebemos dentro do jogo. Mesmo nos momentos mais
difíceis, a nossa torcida empurra a equipe e dá moral para os jogadores.
A torcida organizada do Corinthians também é muito atuante. Concorda com
essa postura?
Respeito os torcedores, mas cada um tem um papel a exercer dentro do clube.
Eles podem reivindicar espaço politicamente, o que acho absolutamente normal.
A torcida organizada é um segmento importante dentro do clube, que busca
cada vez mais o direito de ter opinião em momentos importantes. Mas existe
um limite para isso. Não podemos inverter os papéis, senão desorganiza tudo
e a tendência de as coisas darem errado é maior. Felizmente, o Corinthians
está sabendo conviver com essa situação desde a minha chegada.
E a pressão de ter o presidente da República como mais um fanático torcedor
do Corinthians? O que o Lula te disse nos encontros que tiveram?
O Lula torcer para o Corinthians é algo muito especial. Claro que há o lado
bom e o ruim de ter a maior autoridade do país como torcedora da sua equipe.
Se todos os torcedores se julgam treinadores, imagine só o presidente da
República. Quando estivemos juntos, ele brincou bastante com essa situação.
Falou demais sobre futebol, porque gosta e assiste. Os detalhes que ele
aponta são de alguém que acompanha de perto a equipe, mesmo. Vou continuar
fazendo o meu melhor para que ele seja feliz.
O Lula e os demais torcedores do Corinthians só pensam na disputa da Copa
Libertadores da América no ano do centenário. Essa obsessão antes da hora
não pode prejudicar o seu trabalho?
Não vamos deixar que isso aconteça. Quero trabalhar bem para atender às
expectativas. É bom lembrar que o torcedor quer ganhar títulos com 99 anos,
com 98, com 97 e com 101 também. Nesse caso, trata-se do aniversário dos 100
anos. Mas, se você olhar para os clubes em volta, verá que todos eles
tiveram muito mais problemas do que conquistas em seus centenários. Talvez
exatamente por achar que só o fato de fazer 100 anos já te faz ganhar de
todo mundo. É necessário respeitar os passos para se formar uma equipe
vencedora.
Quando assumiu o Corinthians na Série B do Campeonato Brasileiro, você
definiu o acesso como o principal projeto do futebol brasileiro. Muita gente
lembra até hoje dessa frase de impacto. E agora, como classificar o
centenário corintiano?
É um marco importante em termos de existência. A gente só precisa ter o
cuidado de não vender para o torcedor que o centenário é o único ano que se
pode ganhar alguma coisa muito importante. E não vamos ganhar porque estamos
comemorando os 100 anos do Corinthians. Vamos ganhar pelos mesmos motivos
que ganhamos em 2009 e em 2008. Porque nos preparamos bem e conseguimos
montar um time com qualidade para enfrentar os adversários.
Com as chegadas de Defederico, Marcelo Mattos e de mais um lateral esquerdo,
o seu elenco já estará pronto para 2010?
Não. Estamos iniciando um novo ciclo, com jogadores remanescentes e outros
que estão chegando. Agora, nesses últimos meses antes de 2010, vamos fazer
avaliações importantes sobre a evolução da equipe. Teremos que trabalhar
para que ela evolua e se torne forte e competitiva.
Ainda tem esperanças de ganhar um novo lateral esquerdo até o final do ano?
Acho bem difícil. Para agora, teremos o Escudero, que está se recuperando de
contusão, o Marcinho, que está evoluindo na função, o Marcelo Oliveira, que
ainda precisa de uma sequência de jogos para provar confiabilidade, e o
Bruno Bertucci, que ainda é um menino e vai precisar de um período maior de
formação.
Se essa equipe vingar no ano do centenário, você ficará ainda mais em alta.
O Corinthians formou dois dos últimos técnicos da Seleção Brasileira,
Parreira e Luxemburgo. Pensa nisso?
A Seleção é uma consequência. Vai depender do meu trabalho, de conquistas e
de uma continuidade longa de bons resultados. Mas só terei uma chance quando
o Dunga terminar o seu ciclo e houver espaço para a escolha de um novo
técnico. Se a oportunidade não for depois do Dunga e eu continuar fazendo um
bom trabalho, ela virá depois do outro treinador que assumir. É assim que
funciona. Os principais técnicos do país sempre foram cogitados para a
Seleção Brasileira em cima do momento.
Você se prepara para trabalhar no exterior? Estuda outros idiomas?
Sim, mas isso também é uma sequência bem natural da carreira. Não vejo como
um objetivo principal.
No seu planejamento de carreira, já imagina quando será o momento ideal para
parar de trabalhar como treinador?
Não existe planejamento a longo prazo no futebol. Depende muito do que vai
acontecendo. Às vezes, você pode chegar à conclusão que deve parar antes do
que imaginava porque sofreu alguma frustração. O contrário também é
verdadeiro. Você pode ter resultados importantes e querer dar uma
continuidade maior. Procuro pensar no presente e não ter essa preocupação de
enxergar lá na frente.
Seu presente é o Corinthians. A renovação contratual para a próxima
temporada já está acertada?
Está acertada. Só não está assinada. |